Nós nos aventuramos a falar sobre Krishna, mas o que podemos realmente dizer? Memorizamos alguns versos e os recitamos como papagaios, e essa é a amplitude da nossa glorificação ao Senhor. Onde estão os nossos sentimentos profundos? Todo mundo está indo aqui e aculá falando sobre raga-bhakti, mas onde está aquele sentimento espontâneo que dá significado a raga? Sri Caitanya Mahaprabhu nos instruiu a seguir algumas regras simples, as regras de vidhi-bhakti. Ele instruiu que cantássemos os Santos Nomes, que cantássemos uma lakh (64 voltas) todos os dias.
Isso aconteceu em Puri quando todos os brahmanas começaram a convidá-lO para jantar na casa deles. Então Mahaprabhu respondeu que Ele comeria apenas nas casas dos milionários, que em Bengali são chamados lakha-patis. Todos os brahmanas ficaram desapontados ao ouvir Mahaprabhu dizer isso, porque eles eram muito pobres. Por isso Mahaprabhu riu e disse: "Vocês sabem o que eu quero dizer com 'lakha-pati'? Eu quero dizer aquela pessoa que canta cem mil vezes o Santo Nome todos os dias." Os brahmanas se sentiram aliviados imediatamente, e disseram: "Existe alguém mais misericordioso que Você? Você planeja estratégias como estas para fazer com que cantemos os Santos nomes. É claro que iremos cantar uma lakh (64 voltas) todos os dias, mas por favor, aceite nosso convite!"
Srila Prabhupada (Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakur) também nos instruía a cantar uma lakh todos os dias. Muitos dos nossos irmãos espirituais foram até ele e disseram: "Mas Prabhupada, nós temos tanto serviço para fazer. Como podemos cantar uma lakh todos os dias?" Prabhupada nunca disse: "Cante apenas o quanto você conseguir. Isso é suficiente." Ele disse: "Arranje tempo. De uma forma ou de outra, encontre tempo." Eu escutei isso pessoalmente. Mas nós não seguimos. Não conseguimos encontrar tempo para cantar. Essa é a amplitude da nossa capacidade de fazer bhajana. E ainda assim nós pensamos que podemos falar sobre raga-bhakti. Todos esses devotos ocidentais que vieram aqui para ouvir sobre algo chamado raga-bhakti, imediatamente acham que entenderam tudo que há para se saber sobre o assunto. Mas, na verdade, eles não sabem nada sobre as qualificações necessárias para alcançar raga-bhakti. Eles não entendem. Por isso que eu tenho explicado sobre todos esses tópicos do Srimad Bhagavatam.
No começo do Srimad-Bhagavatam, as seguintes afirmações são feitas:
srinvatam sva-kathah krishnah
punya-sravana-kirtanah
hridy antahstho hy abhadrani
vidhunoti suhrit satam
“Ouvir e falar sobre o Senhor Krisnha é uma atividade grandiosamente pura, porque quando você se engaja em tais atividades, o próprio Senhor entra no seu coração e destrói a causa de todos as coisas não-auspiciosas que são obstáculos na sua vida espiritual. É dessa forma que Krishna age como amigo dos piedosos."
nashta-prayeshv abhadreshu
nityam bhagavata-sevaya
bhagavaty uttama-sloke
bhaktir bhavati naishthiki
"Quando a causa de todas coisas não-auspiciosas e anarthas são quase que completamente destruídas por meio do serviço aos devotos e do ouvir o Srimad Bhagavatam, então o praticante entra no estágio de devoção fixa ao Senhor Supremo, Aquele que é glorificado nas melhores poesias."
(Srimad-Bhagavatam 1.2.17-18)
Você deve ouvir o Srimad Bhagavatam sob a guia de devotos avançados, que são conhecidos também como Bhagavatas. Ao fazer assim, alcança-se gradualmente "devoção fixa ao Senhor Supremo, Aquele que é glorificado nas melhores poesias." Qual a natureza de tal devoção fixa? Isso é explicado no comentário do Bhakti-rasamrta-sindhu com as palavras avikshepena satatyam: "constância sem distração." Não é suficiente carregar as contas da japa nas suas mãos e passar os dedos por elas de vez em quando. Você deve alcançar continuidade no seu cantar sem deixar que sua mente se distraia. Srila Bhaktivinoda Thakura escreveu no Hari-nama-cintamani:
laksha nama haile purna sankhya mala gani
hridaye nahila rasa bindu guna mani
“Uma pessoa pode completar uma lakh de Nomes em sua japa-mala, Ó Senhor, mas ainda assim não ter sentido uma gota do sabor extático dos Santos Nomes."
(12.14)
A razão disso é que enquanto cantamos, a mente vaga por toda parte, pensando em muitas coisas diferentes. Qual o ponto em cantar os Santos Nomes milhares de vezes se você não vivência krsna-prema? É isso raga-bhakti? É com isso que raga-bhakti se assemelha? Poderia um raga-bhakta ter nenhum gosto pelos Santos Nomes? Onde está o seu apego pelo cantar dos Santos Nomes? Você não consegue capturar um verme e ainda assim pensa que pode ir caçar cobras?
Ao se conversar com as pessoas sobre desenvolver afeição pelos Santos Nomes, elas agem como se isso fosse irrelevante. Elas estão atraídas em ouvir histórias sobre meninas, mas elas não compreendem quem são essas meninas. Radharani é a potência pessoal de Krishna, e as gopis são todas expansões dEla. Por isso é explicado que Krishna está engajado em namorico com ninguém mais que Ele mesmo. Ele é o Senhor Supremo Auto-suficiente, e todas as gopis não estão separadas da essência dEle. Não há queda, nem mesmo a questão da luxúria material. O Bhagavata (10.33-25) usa o termo avaruddha-saurata para indicar que nenhum ato sexual vulgar é envolvido na rasa-lila. Por isso, Sridhara Svami conclui que a rasa-lila é o passatempo onde Krishna vence a luxúria. Não há o mínimo traço de luxúria material nas atividades de Krishna com as gopis, nem a menor inclinação à busca egoísta pela gratificação dos próprios sentidos. Nós não seremos capazes de entender isso. Por isso, devemos ouvir cuidadosamente os nossos mestres espirituais para entendermos que qualificações são necessárias para se adentrar o Mundo bem-aventurado das brincadeiras do Senhor.
O próprio Mahaprabhu saboreou tais tópicos confidencialmente no Gabhira com Seus associados íntimos, Svarupa Damodara e Ramananda Raya. Não haviam pessoas de mente mundana presentes em tais discussões. Mas o que essas outras pessoas estão fazendo? Eles dizem que aqui é o Radha-kunda, a morada de Radharani, mas quantos de nós podemos realmente residir em Radha-kunda? Quantos de nós somos capazes de colocar a poeira do Radha-kunda em nossas cabeças? Temos que considerar esses fatores. Mergulhamos nossas mãos nas águas sagradas do Radha-kunda apenas para sacudí-las e secá-las novamente?
Srila Prabhupada (Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakur) costumava nos dizer uma história engraçada sobre um viciado em ópio. O sol estava se pondo e o viciado sentiu a necessidade de satisfazer seu vicio, mas ele estava em uma marge do rio, e a vila onde havia fogo pra que ele acendesce seu cigarro de ópio estava na outra margem. Nossa situação é parecida com essa. Nós queremos estar com Krishna, o Senhor de Goloka, mas nós estamos separados pelo rio selvagem das nossas desqualificações. Devemos levar isso em conta. Nós podemos mergulhar no Radha-kunda quantas vezes quisermos, beber a água, nos submergir nele, mas isso não significa que tenhamos realmente nos banhando no Radha-kunda. O que devemos realmente fazer é mergulhar nas águas dos sentimentos espontâneos de devoção de Radharani, e para fazer isso devemos primeiramente desenvolver entusiasmo por cantar o Nome de Krishna. Sem tal entusiasmo, nada pode ser alcançado. Esse é o ensinamento de Sri Caitanya Mahaprabhu.
Quando o sol de prema nasce, toda a escuridão dos pecados e sofrimentos desaparecem. Como a luxúria e tudo que isso atrai. É dessa forma que Visvanatha Cakravarti Thakura se refere à elegibilidade para adentrar a rasa-lila, mas isso não acontece antes que se alcance raga-bhakti. Os muçulmanos também estão ouvindo sobre a rasa-lila enquanto fumam bidi ou outro tipo de tóxico. Tais pessoas aplaudem e pedem bis: "Continue falando, continue falando." O que acontece nessa situação? É a luxúria material deles que aumenta, não o sentimento real de devoção.
Não é possível que se force uma maneira de alcançar os estágios mais elevados da vida espiritual. Nós devemos ganhar o direito de entrar na morada do Amor Divino."
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